Sobre os sentimentos do psicólogo no atendimento ao paciente Covid19 e a contratransferência
- Renata Evarini
- 2 de out. de 2020
- 2 min de leitura
Por Renata Evarini, CRP 14/02887-3
O psicólogo hospitalar, durante a pandemia do Covid19, atua na linha de frente, atendendo presencialmente o paciente contaminado pela doença. A rotina em relação aos cuidados de biossegurança foi reforçada e tem sido um desafio árduo. Em meados de março, no início da pandemia, o desafio era conseguir itens necessários de paramentação, como máscara N95, capote, viseira, dentre outros. E mais adiante, o desafio passou a ser permanecer muito tempo com eles. O desconforto físico causado pela vestimenta somado ao calor intenso, à impossibilidade de sentar e ao medo de ser contaminada durante o atendimento exigem do profissional um desgaste físico e um esforço mental muito grande.
Mas afinal, o que sente o psicólogo durante um atendimento de paciente com Covid19? Compaixão talvez seja o sentimento predominante: temos sido testemunhas de muitos sofrimentos físicos e emocionais. Os pacientes sentem falta de ar, cansaço físico e dificuldades para fazer movimentos simples, como falar ou ir ao banheiro.
Não receber visita da família e, muitas vezes nem notícias, conviver com o medo do quadro clínico se agravar e até de morrer são alguns dos sofrimentos. Do lado de fora do hospital, a família sofre por não estar perto, por não ter notícias e, muitas vezes, por não ter a chance de se despedir na morte do seu ente querido.
Além da compaixão, o sentimento de medo está presente o tempo todo. Medo de ser contaminado, de transmitir o vírus para a família e até de morrer. Durante os atendimentos, o esforço mental é grande para manter a atenção flutuante.
E o que dizer do sentimento de impotência? A Covid19 é uma doença com muitas restrições, de ordem física, emocional e social. Tem sido um desafio manter todas as ações e atendimentos pautados na visão da humanização. Com muita dor, presenciamos famílias implorando para ver seus entes queridos, sem ter a chance de uma despedida e um velório digno.
Os atendimentos precisam ser breves, pois muitos pacientes sequer conseguem falar devido a falta de ar e cansaço. Enquanto psicóloga e defensora das diretrizes da humanização no hospital, posso dizer que é muito angustiante, o sentimento é de impotência por não poder ajudar tanto quanto gostaria.
Atender esses pacientes também evoca raiva pelo excesso de exposição e por perceber pessoas evitando a aproximação com quem trabalha em hospital.
Ouvimos falar da neutralidade durante o atendimento e que não podemos misturar nossos sentimentos com os do paciente. De fato, separar o que é nosso do que é do paciente é essencial e um exercício diário. Nisso, a terapia, análise e a supervisão ajudam muito.
Porém o psicólogo também sente. Em Psicanálise, o fenômeno que diz respeito aos sentimentos do psicólogo em relação aos pacientes chama-se contratransferência. E quando esses sentimentos são trabalhados em terapia, eles são aliados no atendimento.
A boa notícia é que os sentimentos contratransferenciais podem ser trabalhados e manejados, já que fazem parte da técnica psicanalítica. Para isso é muito importante que o psicólogo também se cuide, fazendo terapia e supervisão. O famoso tripé: estudo, terapia e supervisão.
コメント