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Contar ou não sobre a perda familiar para quem está internado no hospital?

  • Foto do escritor: Renata Evarini
    Renata Evarini
  • 28 de mar. de 2021
  • 2 min de leitura

Por Renata Evarini, psicóloga, CRP 14/02887-3


Os desdobramentos da pandemia no sentido de maior gravidade dos casos e aumento no número de pessoas contagiadas e que morrem, tem impactado no foco das demandas psicológicas no hospital. Com o avanço da doença, muitas pessoas da mesma família estão se contaminando e, infelizmente, morrendo. Hoje, grande parte dos pedidos de interconsulta (isto é, solicitações de atendimento psicológico) no hospital tem sido para auxiliar na comunicação de notícias difíceis: a família deseja contar para o paciente internado que outro membro da família morreu.

Geralmente, a família teme que, ao saber da notícia, o paciente apresente piora clínica ou até desista do seu tratamento. Solicita ajuda do psicólogo, pois acredita que o paciente não resistirá.

Tem sido muito comum pessoas da mesma família estarem internadas no mesmo hospital. Do outro lado, o paciente internado está ansioso e súplica por notícias do familiar que também está doente. Pergunta para várias pessoas da equipe, procurando por notícias, pede seu celular. A ansiedade aumenta.

Compartilhando essas angústias com os pacientes e seus familiares, me pergunto: O que será pior: conviver com a ansiedade e as fantasias de não saber notícias ou saber da verdade, ainda que ruim? Sabemos que cada caso precisa ser tratado de forma única; a família precisa ser ouvida sim, já que ela conhece melhor seu ente querido.

Para essas novas demandas psíquicas, dispomos das técnicas de comunicação de notícias difíceis. Este tem sido o novo foco do psicólogo no hospital, neste momento da pandemia.

Acredito que o primeiro passo é acolher a angústia e o luto da família. Ora, se ela tem a missão de noticiar um óbito, está antes, vivenciando este luto. Imagine o seguinte cenário (que, aliás, tem sido rotineiro, trocando apenas os personagens): a filha pede ajuda para contar para a mãe, que está internada, que o pai morreu. A filha também vive o luto, mas não pode se permitir a viver porque tem a missão de estar forte para ajudar a mãe. A filha teme que a mãe não suporte a ideia de ter perdido o marido ou que desenvolva depressão e desista do tratamento.

Enquanto chora e sofre pela perda do pai, esforça-se para se apresentar “forte” diante da mãe, animando-a para se recuperar. Quando necessita chorar ou se entristecer, procura um “cantinho” longe da mãe.

Percebo que são lutos que não podem ser “autorizados”, que não podem ser vividos de forma genuína e transparente. Precisam ser disfarçados, escondidos e abafados. Não tem espaço para dar voz.

Enquanto psicóloga, vou além e me questiono: quantos novos formatos de luto (no plural) a pandemia nos deixará como herança? Quais serão os impactos e as consequências emocionais desses lutos? Creio que só o tempo dirá.

Enquanto isso, em tempos de caos interno, de tantas ameaças de sofrimento, de perdas e de luto e do esforço para sobreviver emocionalmente a tudo isso, o psicólogo se propõe a caminhar junto com a missão de “suportar”, continuar inteiro diante desse paciente e de seu familiar. E isso em si já é terapêutico.

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